A bioeconomia da floresta na América Latina
Pode a bioeconomia dar valor à floresta em pé e melhorar a vida de suas populações?
“Se queres alcançar o despertar supremo e inigualável para ti e para todos os seres, a raiz é o desenvolvimento de um pensamento altruísta, firme e estável como uma montanha. Uma compaixão que tudo abarca e uma sabedoria transcendente, desnuda de dualidade”
Jackson Rego Matos
Manhã do dia da madroeira Nossa Senhora da Imaculada Conceição, sol tropical, verão amazônico em Santarém. No centro da cidade, na atual praça Rodrigues do Santos ou futura Praça Mani, situada acima de um cemitério indígena do povo Tapajó e Tupaiú na cidade mais antiga do Brasil, o prédio do Teatro Vitória reúne pensadores para uma conversa sobre o futuro da Amazônia. Estão presentes pessoas da defensoria pública, indígenas, ambientalistas, intelectuais, artistas e estudantes da Universidade Federal do Oeste do Pará .
A promotora do Ministério Público do Pará Lilian Braga dá boas vindas e conta, brevemente, a reforma pela qual o espaço passou nos últimos anos, na segunda década do século XXI da era Cristã. Explica que hoje funciona no térreo do antigo casarão o Núcleo de Promoção da Igualdade Étnico-Racial (Nierac) com o objetivo de promover igualdade na região, de acordo com as políticas e legislações atuais. Fala da reconquista do espaço e de todo trabalho que temos pela frente para recuperar a praça.
Na sequência, o agroflorestor Max Kiyoshi Yamaguchi faz uma apresentação de visão ético-normativa e apresenta as correntes atuais do conceito de bioeconomia. Para contextualizar o tema, traz dados sobre a cobertura florestal no planeta. Revela que enquanto a Ásia e a Europa, nas últimas 3 décadas, têm ganhado cobertura florestal, o Sul Global tem sido arrasado pela força impiedosa e violenta do capital: na África e America do Sul, o planeta têm perdido entre 2 a 5 milhões de hectares de cobertura florestal por ano. Urge por uma mudança no paradigma e conta que tem ainda muita gente que acha mais interessante mudar o uso do solo porque como sociedade temos falhado em demonstrar o valor da floresta em pé, desincentivando ações que arrasam a floresta e pregam a morte.
Yamaguchi apresenta diversas pesquisas atuais sobre setores e sistemas dependentes de recursos biológicos. Explica que a bioeconomia deve ter como base atividades que envolvam o uso de recursos naturais de forma sustentável e inovadora, possibilitando a promoção do bem-estar e do bem-viver de todas as formas de vida. Em estudo intitulado “Towards a Global Framework for Analysis the Forest-Based Bioeconomy”, bioeconomia surge como o conjunto das atividades econômicas para cultivar, colher, processar, reutilizar, reciclar e vender produtos florestais e os serviços ecossistêmicos florestais associados.
Explica que há cinco escolas de bioeconomia, indo daquela com visão tecnocrática promovida por grandes empresas privadas em busca de lucro em cima da floresta até a escola do que podemos chamar de bioecologia. Esta última defende uma eco-sociedade com decrescimento de consumo, redução do impacto humano na floresta e contribuição real para a luta contra o colapso climático nas comunidades da linha de frente da crise planetária.
Yamaguchi traz dados do Painel Científico da Amazônia do ano passado, em que foram esmiuçados produtos não madeireiros da sociobiodiversidade de interesse humano: plantas medicinais, produtos cosméticos e alimentícios, biomoléculas etc. Entre 2017 e 2019, esses produtos geraram uma receita de 300 milhões de dólares por ano no Brasil em um mercado ainda muito informal. Enquanto isso, esses mesmos bioprodutos geraram no resto do mundo mais de 176 bilhões de dólares a cada ano. Levanta o questionamento sobre propriedade intelectual, direitos tradicionais frente ao neocolonialismo e a exploração global de bioprodutos por grandes indústrias estrangeiras. Ressalta que os negócios comunitários devem ser os atores principais dessa mudança e clama por estruturas concretas de apoio, com participação de instituições públicas, criação de políticas públicas, acompanhamento técnico para todas essas comunidades, formação integral de profissionais (pessoas que entendam o potencial desses produtos não madeireiros e saibam como devolvê-los), cursos, treinamentos, suporte técnico e acadêmico, ações interdisciplinares.
Na sequência, o estudante de arquitetura Luiz Felipe Nunes apresenta seu projeto Praça Mani, uma proposta para requalificar a história cultural e agregar passado social à praça, homenageando e valorizando as comunidades tradicionais e ancestrais.
O artista Nato Aguiar, que em sua pesquisa de doutorado trata da imposição da cultura europeia como veículo ideológico criando um simulacro que nos impede de ver as diferenças sociais, raciais etc, defende a urgência de organização e resistência-rexistência para lutar contra o atraso da elite dominante. Lembra para todos os estudantes presentes que as universidades precisam quebrar seus muros.
A artista e presidente do Instituto Sebastião Tapajós Cristiana Caetano conversa sobre a memória ancestral no entorno do teatro e chama todos para a responsabilidade de proteger a Amazônia. “Precisamos conhecer nossa origem para conseguir defender isso”.
O mestre de carimbó Silvan Galvão começa citando Joao Gomes que há décadas já traz na poética de sua obra a defesa da Amazonia. Cantarola a canção Sabor Açaí para falar de bioeconomia. Fala da importância de consumir o que é local, de fortalecer o cinturão verde da cidade e retoma a fala de Aguiar sobre a necessidade de derrubar os muros e abrir as portas da universidade para todos.
No encerramento do evento, Nato Aguiar e Cristina Caetano cantam para os presentes, fazendo a arte iluminar o coração dos estudantes com mensagem de esperança e de luta.